O metamorfismo e a regulação de seguros no Brasil

Carolina Cavalcanti e Vitor Boaventura

Advogados, sócios de Ernesto Tzirulnik Advocacia – ETAD e associados ao Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS)

Carolina Cavalcanti

A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) promove uma agenda de reformas regulatórias com o objetivo de liberalizar o mercado de seguros no Brasil, através de medidas como a flexibilização do controle sobre o conteúdo e cobertura dos seguros de danos, a disciplina do financiamento das operações de resseguro e retrocessão por meio de dívida vinculada a risco de seguro e resseguro, e a regulamentação do modelo de sandbox regulatória para o setor de seguros no país.

A última das inovações normativas veio por meio da Resolução CNSP nº 407, publicada em 31 de março, com vigência imediata em 01 de abril de 2021, que dispõe sobre os princípios e as características gerais para a elaboração e a comercialização dos contratos de seguros de danos para a cobertura de grandes riscos. Esses seguros de danos são diferentes dos seguros usualmente contratados pelos consumidores pessoa física (automóvel, residencial), denominados “massificados”, por sua magnitude e particularidades do risco.

Os seguros de danos de grandes riscos possuem dimensão social própria. São garantias fundamentais para a vida social e econômica das empresas, das famílias e dos governos. São instrumento das políticas de gerenciamento de risco em todos os níveis da sociedade e, por consequência, muitas vezes, condição para a celebração de negócios jurídicos de suma importância ao desenvolvimento estatal (aporte de investimentos institucionais; realização de grandes obras de infraestrutura, parcerias público-privadas, projetos de mineração, entre outros) e a extensão dos danos da sua materialização é sempre difusa, atingindo muitas vezes comunidades locais e até mesmo a fauna e a flora do local do sinistro.

As medidas anunciadas, assim, dialogam com e interessam a toda a sociedade brasileira, pois reproduzem, na sua complexidade, também as suas contradições e oportunidades.

Vitor Boaventura

Na prática, com a Resolução CNSP nº 407, a SUSEP coloca mais um tijolo para a construção do edifício que não tarda a ser inaugurado – um novo marco regulatório da atividade seguradora e resseguradora no Brasil.  A autarquia, ciente das possibilidades emergentes com toda intervenção regulatória, tenta incutir mais competitividade, inovação e transparência ao mercado.

Daí a atribuição à liberação dos seguradores para a formatação das coberturas e a elaboração dos contratos, extinção quanto à obrigação de padronização das condições contratuais, e a atribuição de regime jurídico paritário. A SUSEP reconheceu, por pressuposto, fato que é em si controvertido, de que há igualdade negocial plena entre grandes seguradores e empresas contratantes de seguros no país.

Como resultado, primordialmente, passa a vigorar no mercado de seguros de danos de grandes riscos liberdade a ser exercida por seguradores, segurados e intermediários envolvidos na cadeia de operações de seguros e resseguros, desde que observados princípios como o boa-fé, objetividade e transparência nas informações. Há, ainda, obrigatoriedade de que os contratos passem a ser redigidos de forma ordenada, lógica e objetiva – pressuposto já almejado de todos os contratos –, acompanhada de glossário dos termos técnicos e estrangeirismos utilizados.

Não há dúvidas: a intenção da SUSEP é positiva. O difícil é realizá-la na prática.

A um, porque os segurados não possuem liberdade negocial, estando sempre submetidos as cláusulas impostas pelo segurador; a dois, pela diminuta quantidade de seguradoras capazes de assumir carteira de grandes riscos no Brasil, tornando o poder de barganha comercial dos segurados quase nulo (outra questão que, futuramente, deve a SUSEP tentar solucionar); a três, porque, no Brasil, no geral, os contratos são padronizados – seja para atender normas da SUSEP ou até mesmo contratações de resseguro internacionais – e uniformizadas tão somente pelas companhias de seguro.

Para uma mudança cultural, portanto, a qualidade de regulação da SUSEP deve ser alçada a novo patamar: maior formação de profissionais públicos e privados nessa área, cooperação entre agências (CADE, ANPD etc.), resguardo de interesses dos segurados, mesmo no regime de frouxidão regulatória, elaboração de avaliações posteriores do impacto regulatório das medidas reformistas por ela implementadas e, acima de tudo, busca constante para garantia de que as mudanças propostas, de fato, alcancem o objetivo pretendido.

Paralelamente, o mercado segurador, majoritariamente aderente à agenda proposta, deve igualmente buscar conciliar a satisfação dos seus interesses com a equalização ou atendimento das expectativas dos consumidores. Sobretudo, nesse momento no qual a cooperação entre o público e o privado para o desempenho da função regulatória parece se consolidar como central para a estratégia de regulação adotada pela SUSEP, é preciso que as seguradoras tenham uma ética exemplar, pautada, por um lado, no compromisso com a oferta de produtos inovadores e de menor preço que resulta da sua conquista de autonomia criar, sem, por outro lado, renunciar da qualidade da cobertura, com apólices vazias.

Nesse momento de metamorfose da regulação de seguros no Brasil (e de metamorfose mundial), é de se cuidar para que as perspectivas futuras confirmem o impulso a motivar as reformas no presente: é preciso estar atento e forte!

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