Definitivamente o sistema de saúde suplementar atual está falido

Para aqueles que ainda não se deram conta, os dados do setor de saúde divulgados pela ANS em seu portal na internet na aba “Sala de Situação” são absolutamente alarmantes. Sinistralidade do setor fechou em 89,3% no terceiro trimestre de 2022, muito acima dos 85,8% apurado no mesmo período do ano anterior. Em sua grande maioria, os clientes do sistema de saúde suplementar sofrerão reajustes estratosféricos ao longo de 2023.

José Augusto de Paula, diretor técnico da SUN Saúde

Por regra contratual, os contratos empresariais são reajustados com a soma dos índices da inflação do setor (VCMH – variação dos custos médico-hospitalares) e o reajuste técnico para reequilíbrio da sinistralidade. Apenas como projeção – considerando a sinistralidade divulgada pela ANS, contratos com limite técnico contratual de 70% de sinistralidade, por exemplo, projetam reajustes de 27,5% somente por sinistralidade. Se considerarmos que esses valores serão acrescidos da VCMH no período, os índices de reajustes preocupam.

Sendo os contratos empresariais os maiores financiadores do sistema de saúde suplementar e o benefício de assistência médica representando mais de 20% da folha de pagamento, podemos inferir o impacto inflacionário como um todo.

O que está por trás de toda essa discussão outra coisa não é senão o modelo assistencial. A forma de remuneração dos prestadores e um formato no qual não são envolvidos no resultado da sinistralidade. Atualmente não existe cumplicidade por parte dos prestadores com a finitude dos recursos. Evitar os desperdícios, exames em demasia, prorrogação de diárias de internação desnecessárias, ajudariam a reduzir os gastos assistenciais permitindo investimento nos programas de atenção primária e prevenção ao invés de uma assistência eminentemente curativa. Seguimos tratando a doença!

Muito se fala no uso da tecnologia para suportar um novo modelo, mas o fato é que os dados do setor ainda são fracionados conforme a porta de entrada ao sistema. Seja pela consulta em consultório ou Pronto Atendimento Hospitalar ou ainda em cirurgias programadas, os dados não são capturados de forma fidedigna e pouca informação fornecem para análises epidemiológicas. O lançamento de códigos e procedimentos visam hoje apenas o faturamento das contas médicas, toda a burocracia de contas médicas são um mero obstáculo a ser vencido para o pagamento da conta – ou ressarcimento das despesas.

Sendo assim, abre-se um vácuo no entendimento dos fatores primários do atendimento. Os dados em saúde já tão protegidos pelo sigilo médico e a LGPD acabam por restringir o acesso aos dados de pacientes e, por conseguinte, comprometer a visão do BIG DATA da saúde.

Esta reflexão passa exclusivamente pelo setor privado, já que os dados do DATASUS possuem outra lógica de registro, embora o resultado seja o mesmo – fragmentação do sistema pelas diferentes portas de entrada e a falta de um sistema robusto para conciliar o histórico do paciente, seja no regime ambulatorial, hospitalar ou da dispensação de medicamentos.

Este mind set de gerar dados e informações apenas com a intenção de faturamento por parte dos prestadores de serviços na saúde suplementar nos sistemas de pagamento das Operadoras acaba por “filtrar” procedimentos e corrigir algumas distorções na conta médica visando exclusivamente o pagamento integral – essas “correções” acabam por mascarar a prática médica e distorcer a interpretação dos dados – já que muitos códigos são descartados ou substituídos ao longo dessa jornada.

Não havendo um repositório único com a informação in natura do setor, sem os desvios proporcionados pelas glosas das Operadoras e os recursos das glosas por parte dos Prestadores, as análises possuem vieses de interpretação e nem sempre representam os dados populacionais. Com isso, perde todo o sistema! A assimetria informacional ao longo da cadeia acaba por aumentar as desconfianças de parte a parte, além de comprometer a viabilidade do sistema do qual dependem hoje mais de 50 milhões de beneficiários.

Outro movimento muito significativo tem sido a remodelagem da grade de produtos dos Operadoras de Saúde, focando em produtos mais baratos com abrangência regional e coparticipações cada vez mais agressivas. A redução das mensalidades pagas nas substituições dos planos empresariais e o run-off das contas dos planos nacionais cancelados acabam por agravar a sinistralidade (coeficiente entre as despesas consumidas pela receita gerada.

A manutenção das taxas de juros e a taxa de câmbio em patamares elevados impactam diretamente os custos dos insumos do setor. Até ainda nenhuma novidade, mas a pressão inflacionária e uma eventual recessão acabarão por reduzir o número de beneficiários do setor e, com isso, o impacto na redução de receitas do setor, seja pela redução ou cancelamento dos contratos. Lembrando que mesmo após o beneficiário deixar o sistema de saúde, invariavelmente uma parcela das despesas por ele gerada ainda será apropriada e paga sem a contrapartida das mensalidades nos meses subsequentes (run-off).

José Augusto Alves de Paula

Graduado em Engenharia de Produção pela FEI, MBA em Gestão Empresarial – Instituto

Trevisan, MBA em Gestão Atuarial e Financeira – FIPECAFI-FEA/USP, Mestre em Administração

– FGV. Mais de 25 anos de experiência no mercado de saúde, foi COO do Grupo Qualicorp, VP

do Grupo TempoAssit nas empresas GAMA/CRC, implantou a operação de saúde da AMS-

Petrobras. Palestrante, conferencista, consultor, atualmente ocupa a Diretoria Técnica da SUN

Saúde.

Fonte: https://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/sala-de-situacao.html

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