Fruição individual da saúde suplementar e o impacto à coletividade

O Direito à Saúde possui alto engajamento e elenca um dos temas sensíveis à sociedade, na medida de sua importância e desafortunada ineficiência pública, especialmente após a crise sanitária pandêmica desencadeada pela Covid-19.

A decotada relevância temática não detém espaço apenas na narrativa populista, mas nos mecanismos legais, com ênfase na Carta Magna, que imputa ao Estado o dever de sua garantia e acesso universal/igualitário, além da faculdade à iniciativa privada suplementá-la, com o aprimoramento na disciplina da Lei Federal 9.656/98.

Há de se convir, contudo, que a promoção de medidas à preservação da saúde demanda a estratégica alocação de recursos, com o fito de contemplar a todos, sem distinção, enquanto dever legal. Isso porque os recursos são finitos e, nessa perspectiva, a gestão deve ser pautada em critérios técnicos e coletivos, não apenas individuais.

No âmbito da saúde suplementar, por sua vez, não são poucas as decisões judiciais e até mesmo súmulas locais à revelia dessa realidade, visto que conflitam aos termos contratados, ignoram recomendações técnicas/diretrizes reguladoras e por vezes contraditam bulas, se prestando a tutelas que dilapidam a finidade de fundos auferidos pelas operadoras de saúde nas mensalidades.

Fato é que a inobservância aos parâmetros cotejados à concessão de eventual tutela, embora objetive beneficiar a individualidade do demandante, pragmaticamente impacta negativamente todos os demais beneficiários, pois o dispêndio econômico desregrado na atividade será suprido nos crescentes índices de sinistralidade à regularidade do serviço.

Nesse toar, o crescimento avassalador das sinistralidades nos últimos anos é palpável, especialmente em 2021, senão vejamos:

https://xvifinance.com.br/sinistralidade-2021/

Nesse ritmo, o usufruto individual desordenado torna o produto cada vez mais caro, o que priva boa parcela da população ao acesso a saúde suplementar, e, como em uma engrenagem, o Sistema Único de Saúde é inevitavelmente sufocado, não obstante também detenha finitos recursos.

Não se omite a reiterada percepção judicial de as cláusulas contratuais se apresentarem obscuras, omissas e dúbias, constituídas pela natureza de adesão, além da impressão de as regulações normativas restarem obsoletas diante do rápido avanço científico, de modo a guiá-lo à conclusão concessiva ao consumidor.

Vale a sugestão, por exemplo, de empenho à elaboração de contratos cada vez mais claros, coesos e de fácil entendimento, justamente para que o beneficiário tenha plena ciência do serviço contratado, a partir de sua natureza, extensão, e todas as demais características que o envolvem e compõem a mensalidade a ser adimplida e, assim, se evitará problemas futuros, haja vista que é uma forma de resguardar o plano de saúde, o qual sofre constantemente com decisões que ignoram em total à realidade fática, beneficiando um único beneficiário em detrimento dos demais, os quais também dependem da prestação de serviços médicos.

Não obstante, o constante e periódico aperfeiçoamento das previsões técnicas emitidas pelos órgãos reguladores é incontroverso, justamente para se evitar práticas médicas ultrapassadas e a fusão entre custo e benefício ser tecnicamente harmonizadas.

Nesse sentido, a primazia à segurança jurídica é prestigiada, o que permite cada vez mais previsibilidade jurisprudencial e promove a captação de novos investimentos no setor, de modo que, uma vez variada a oferta, o custo e qualidade do produto se tornam cada vez maiores.

Importante, portanto, a reflexão do impacto havido na imposição de obrigações à revelia de previsões legais, contratuais e regulatórias, não se detendo somente na individualidade do beneficiado, mas na coletividade que, a partir do encarecimento do serviço suplementar, se depara manietada ao serviço público, que não restará ileso, mas fadada ao colapso.

À primeira vista, o que se aparenta benéfico, no final desaguará na infringência à previsão constitucional: a garantia efetiva da saúde para todos.

Sobre o autor:

Abner Gomes Figueiredo da Silva – Advogado na Área de Direito Médico do Vigna Advogados Associados. Advogado e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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