A muito tempo vemos um cenário delicado no setor da saúde suplementar, onde as partes sempre entendem que quase tudo precisa melhorar, pois geralmente ninguém entende que sua própria parte precisa de correção.
Neste ambiente de descontrole e descomprometimento, surge uma figura extremamente importante: a justiça.
A justiça existe e é um direito de todos. Porém, este instrumento extremamente valioso é utilizado também para a obtenção do que não é devido, já que “é só pedir, que o juiz emite uma liminar.”
O pedido é feito pelo advogado, que não representa a justiça, mas os interesses de seu cliente, o qual muitas vezes se utiliza de argumentos extensos, cansativos e deslocados da realidade para atingir seu objetivo.
O pedido é analisado por um juiz, que na maioria das vezes entende que “a operadora tem que pagar, já que o cliente é a parte mais fraca”. É exatamente neste ponto que inicia-se o grande equívoco, já que a operadora não é a “dona do dinheiro”, mas gestora dos recursos da coletividade que paga mensalmente para obter as coberturas médico, terapêuticas e hospitalares nas condições contratadas através de um contrato padrão, ou seja, igual para todos.
A Agência Nacional de Saúde, órgão do governo responsável por todo o equilíbrio e regulação da saúde suplementar ao Sistema Único de Saúde, define parâmetros, coberturas, limites e fiscalizações sobre as operadoras de planos de saúde e odontológicos. É exatamente à partir destas definições que as operadoras conseguem determinar o preço a ser pago por cada contratante que viabiliza a entrega de todos os serviços na forma estabelecida pela própria ANS.
Dentro das funções da ANS, estão o gerenciamento para que o contrato seja cumprido, sendo que o não cumprimento impõe pesadas multas e penalidades, além da expressa ordem de cumprimento do mesmo. Apesar desta função, o cliente tem todo o direito de buscar a justiça quando entender que seus direitos não estão sendo respeitados.
Ocorre que os argumentos apresentados pelos advogados contratados levam uma visão de “urgência, risco de vida e lesões irreparáveis” por responsabilidade da operadora e uma certa “tutela do juiz” caso não se sensibilize ao contexto apresentado. Somando-se ao que chamamos de “jurisprudência”, que neste caso faz menção muito mais a uma antiga expressão popular que diz “onde passa um boi passa uma boiada”, acontece, na prática, a utilização do fundo financeiro dos contratantes para cumprir as garantias contratadas para o atendimento a algo que não estava previsto contratualmente.
Vale lembrar que nossa Constituição afirma que “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado”. Vale exaltar o valioso serviço coordenado pelo Ministério da Saúde e disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde – SUS, preparado para oferecer todo atendimento que qualquer cidadão possa precisar e que para poder cumprir este valioso papel possui a maior receita de todos os setores públicos do país.
A atribuição à saúde suplementar, que não conta com esta gigantesca receita, coloca em altíssimo risco o cumprimento dos benefícios contratados por mais de 50 milhões de brasileiros, que pagam seus impostos, contribuem largamente com o SUS e incorporam mais esta despesa. Com isso, a judicialização dos planos de saúde vem se mostrando de maneira avassaladora como uma usurpação da justiça, do sistema judiciário, de maneira escalonada e irresponsável.
O importantíssimo setor da saúde suplementar clama por justiça, não somente para as empresas que se dispõe a operar neste ambiente ao mesmo tempo tão importante, mas também cheio de gerenciadores externos, que definem o que a operadora deve fazer com o dinheiro dos contratantes sem ao menos compreender as maléficas e irreversíveis consequencias, como para os próprios e mais de 50.000.000 de pessoas que esperam que seus direitos sejam cumpridos quando vierem a precisar (assunto que parece não preocupar nem um pouco quem “manda cumprir, ainda que sem direito adquirido”).
Para resumir em uma linha: a judicialização dos planos de saúde nada mais é do que a caricatura (deformação) da justiça.
Toda usurpação traz suas consequencias. Neste caso, vemos pela ANS a cada trimestre resultados das operadoras de planos de saúde sinalizando que a usurpação do direito, do equilíbrio, do justo, quebra empresas inteiras e, por conta das pessoas, advogados e juízes que utilizam deste expediente, milhares de pessoas que pagaram com muito esforço para terem sua cobertura garantida na hora da necessidade, ficam descobertas. E quando isso acontece, não tem nenhum advogado ou juiz que se importe com quem pagou, sua família e seus direitos, até porque suas garantias pessoais e profissionais estão devidamente protegidas.
Por: Silvio Toni (sócio fundador da myBro Corretora e Presidente do Sindiplanos)