O impacto do altamente (im)provável: Brasília e Americanas são Cisnes Negros?

Luis Cozaci

Iniciamos 2023 como sempre: renovando esperanças e fazendo promessas que logo serão (ou já foram) quebradas. Mas o que foi diferente neste início de ano é que bastaram apenas 11 dias para que dois eventos nacionais e não conectados entre si chocassem a sociedade brasileira, com forte repercussão internacional. Sim, estamos falando da invasão “vândalogolpista” nas sedes dos Três Poderes na Capital Federal e da divulgação do rombo bilionário na gigante varejista.

São eventos recentes e que no calor do momento ainda não permitem uma completa identificação e entendimento de todas as variáveis e pessoas neles implicados. Podemos, contudo, fazer algumas digressões sob a ótica do gerenciamento de riscos, que nestes dois casos falhou flagrantemente – dado que os riscos se “materializaram”, como se diz no jargão corporativo. E também sob a ótica da “gestão de crise” que se seguiu de imediato após os eventos, e perdurará ainda por um tempo, como reação para mitigar danos.

Claro, não estamos partimos do ponto de vista dos que tramaram / estimularam / financiaram e executaram, pois para estes os objetivos foram alcançados (a invasão e o rombo), ainda que as consequências judiciais, espera-se, serão negativas para os protagonistas no futuro próximo.

Mas e do ponto de vista dos que em tese deveriam ser os “guardiões” destas ocorrências? Fazemos referência ao governo federal e às majoritárias fatias democráticas nas Forças Armadas e nas forças de segurança do Distrito Federal num caso, e aos acionistas, administradores, auditores e reguladores no outro, todos atores que tinham o maior interesse em evitar tais ocorrências. Houve claramente falhas que permitiram comandos antagônicos aos seus objetivos, e resultaram nos eventos indesejados. A gestão dos riscos foi para lá de ineficiente.

A realidade costuma ser bem mais complexa que uma matriz de risco, mas a pergunta que fica é se algum gestor de riscos do time de “guardiões” teria identificado e mensurado os riscos que se materializaram. Se sim, certamente estariam no quadrante de baixa probabilidade e alto impacto, e não seriam considerados “prioritários”. Mas se sequer foram identificados e previstos, como é o mais provável, é porque seriam eventos Cisne Negro, na definição de Nassim Taleb em sua excelente obra The Black Swan, de 2007.ii

Nela, Taleb discorre sobre a trinca que caracteriza um evento Cisne Negro: raridade, impacto extremo e previsibilidade retrospectiva (mas não prospectiva). Muitos eventos na história e quase tudo o que nos cerca (incluindo epidemias, crises, modas e ideias passageiras) são resultados, negativos ou positivos, que se encaixam nesta definição. Os ataques as Torres Gêmeas no Onze de Setembro são um ótimo exemplo: é um outlier, ponto fora da curva, raro. Também gerou impacto extremo, milhares de mortes no evento em si, outras muitas em guerras justificadas pelo ataque, perdas financeiras e materiais de toda ordem, além de toda uma reação envolvendo leis, processos, prisões. Depois que ocorreu, uma indagação que surge é: mas como não pensamos nisso, com todas as evidências que tínhamos, além do conhecido imaginário de extremistas árabes desejosos por destruir a América? Blindar a porta da cabine dos pilotos seria uma solução tão simples…Só que não foi implantada até a ocorrência dos ataques. Outras crises como a de 2008, e a pandemia de Covid-19 também são considerados também Cisnes Negros, foram eventos imprevisíveis, raros e de forte impacto. E com sinais facilmente reconhecíveis, mas somente a posteriori.

Estas características parecem estar presentes nos eventos Brasilia|Americanas. O impacto extremo é o mais evidente e inquestionável: a invasão das sedes trouxe perdas materiais, de imagem, chocou o mundo e ameaçou a democracia. Pode ter comprometido ou no mínimo atrasado investimentos externos. Objetos artísticos e históricos foram destruídos ou danificados. Trará custos associados a reorganização do governo e o tempo perdido que poderia ser alocado em outras tarefas. Já no caso do rombo contábil e da recuperação judicial, os impactos são também amplos e quase sistêmicos: afetou a imagem do setor, impôs perdas aos bancos (inclusive públicos), seguradoras, investidores, vai causar desemprego em massa, fora os prejuízos a milhares de fornecedores e clientes.

A segunda característica, a raridade, até pode ser questionada. Considerando o evento análogo no Capitólio americano (a História se repete como farsa…), e também outros diversos tumultos e atos de vandalismo em prédios públicos, a invasão de Brasília não foi a única, mas também não ocorre todo dia e muito menos naquelas proporções que assistimos praticamente ao vivo. A recuperação judicial de grandes empresas, escândalos contábeis e varejistas que quebraram (Mapin, Mesbla…) também não são fatos inéditos, mas não dá pra falar que são comuns. Ainda mais em se tratando de uma empresa listada na Bolsa.

Resta então analisar o argumento da previsibilidade. A previsibilidade retrospectiva, que é a capacidade de explicar eventos passados com base em informações depois do evento (como exemplificado na expressão Engenheiro de Obra Pronta!) é sempre mais fácil. Todos os sinais estavam lá, antes da ocorrência, mas isto só é de fato percebido após. O que não diminui o impacto e a surpresa ao sabermos do fato consumado. E depois dele a solução pareceu tão evidente, bastaria um contingente adequado e o comando policial na direção correta (e assim barrar a entrada dos manifestantes na Esplanada dos Ministérios), ou uma auditoria eficiente e gestores comprometidos com a ética. Pois a grande dificuldade é a previsibilidade prospectiva.

Precisamos estar conscientes das limitações da previsibilidade prospectiva e nos prepararmos para lidar com eventos imprevisíveis. Cisnes Negros nos mostram o quanto é frágil nosso conhecimento, e o quanto é limitado nosso aprendizado por meio das observações. Um ensinamento fundamental para seguradores e gestores de risco.

i Managing Partner na Partenariat Negócios e Tecnologia.

iiNa edição brasileira, o livro ganhou o nome de A Lógica do Cisne Negro, o impacto do altamente improvável, do qual tomamos emprestado para escrever o título deste artigo. Taleb usa a figura do cisne negro, pois até a descoberta da Austrália, o mundo europeu estava convencido que todos os cisnes seriam brancos, por conta das evidências empíricas,. Bastou um único exemplar negro para invalidar uma convicção originada pela observação de milhões de cisnes brancos. E para tornar-se uma metáfora de um evento inesperado, imprevisível e de grande impacto.

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