Desafios do seguro no admirável mundo novo

Oferecer proteções para amenizar experiências desagradáveis dos consumidores é desafio para o mercado

Carol Rodrigues

Após chegar de uma viagem, Rafael (o nome é fictício para preservar a identidade da fonte) fez uma compra em uma grande plataforma de entregas de fast-food. O entregador, já próximo da sua residência, informou que havia faltado a taxa de entrega, não debitada na compra. O consumidor alegou que havia pago, mas não conseguiu checar no aplicativo. O entregador, por sua vez, informou que já estava na portaria do prédio e que teria de voltar ao estabelecimento com a alimentação, caso não fosse efetuado o pagamento da taxa de R$ 8,90. Cansado e com fome, o cliente disse que faria o pagamento. Como hoje é raridade ter dinheiro em espécie, o pagamento foi no cartão de débito. O resultado foi que os R$ 8,90 se transformaram em R$ 1000,00. Era o golpe da maquininha, um crime classificado como furto mediante fraude.

O que isso tem a ver com seguro? Rafael possuía seguro em todos os seus cartões e, quando descobriu o golpe, ao ver o extrato bancário no dia seguinte, ligou para o banco. Iniciou-se uma saga de horas ao telefone e, inclusive, contato presencial na agência bancária.

Até que veio a resposta: como não houve coação, não havia cobertura do seguro. Para receber a indenização, na agência bancária, chegou a ser orientado a mentir e dizer que tinha sido coagido. Essa experiência gerou ao consumidor uma imagem negativa quanto à indústria de seguros. Primeiro, pela falta de clareza do que o seguro para cartão cobria e o que era exclusão. Afinal, o banco ‘empurrou’ os produtos para o cliente e, quando ocorreu um problema, para ele ter direito à indenização o incitou a dizer que foi coagido. Resultado: o cliente, que amarga o prejuízo, cancelou os seguros dos cartões.

A história de Rafael é uma entre tantas dentre as modalidades de golpes financeiros existentes.
Segundo Ilan Kajan, vice-presidente de Riscos Corporativos e Sinistros da Alper Seguros, cada vez mais, o mercado se depara com situações envolvendo riscos de linhas financeiras. “Isso em detrimento do tradicional perfil de risco que sempre acompanhamos e identificamos como o principal risco, que é o risco de danos materiais e eventualmente de responsabilidade”, comenta.

Pix e demais transações financeiras

Em dezembro do ano passado, o Pix atingiu o recorde de 100 milhões de transações em 24 horas. Apenas em 2022, a movimentação total foi de mais de R$ 10 trilhões, mais do que o dobro registrado em 2021, de acordo com números do Banco Central. Com o aumento das transações, também surgem os golpes.

De acordo com Kajan, algumas seguradoras estão trabalhando com coberturas com importância segurada até determinado valor para cobrir esse tipo de ocorrência. “Essas proteções ainda são novas e incipientes, mas devem crescer, devido à preocupação das pessoas. Hoje, todo mundo transaciona por Pix”.

Segundo Raquel Cerqueira, superintendente de Ramos Elementares da Bradesco Seguros, a companhia foi a primeira a oferecer cobertura para aplicativo bancário, em outubro de 2021.“O seguro cobre transações indevidas, realizadas por terceiros, em situações como perda, furto simples, furto qualificado ou roubo do dispositivo móvel, e/ou coação sofrida pelo segurado. Assim, consumidores terão acesso a coberturas, em casos de operações indevidas via Transações Pix, Transferências, TED, DOC, pagamentos de boletos e recarga de crédito em telefonia móvel”.

A modalidade do banco é segmentada de acordo com o perfil do correntista e varia entre R$ 9,99 e 15,99 ao mês. Conforme Raquel, a cobertura pode ser acionada até duas vezes em um período de 12 meses.

Também atenta às necessidades da sociedade, a Zurich disponibilizou no mercado, no segundo trimestre de 2021, o seguro Transação Protegida, popularmente chamado de “seguro Pix”, que garante proteção para os segurados que passarem por transações financeiras indevidas em suas contas. “Com a popularização do Pix, ele é o maior foco do produto, que também dá cobertura a outros tipos de transferências, como TED e DOC. Atualmente, a Zurich mantém parceria com diversas instituições financeiras para disponibilização deste produto”, explica Carlos Silva, superintendente de Subscrição de Parcerias da Zurich Seguros.

O celular é a nova carteira

A verdade é que, com o acesso à tecnologia e aos aplicativos, toda a vida do brasileiro está on-line. Por meio do celular ou tablet, são efetuados pagamentos de contas, transferências, agendamentos, armazenamento de documentos etc.

“O aumento no número de roubo e furtos de celulares e a utilidade dos aparelhos que cada vez mais trazem novas tecnologias embarcadas fizeram com que as pessoas buscassem mais proteção, e a Zurich oferece produtos que garantem segurança e tranquilidade aos segurados”, observa Silva.

A Zurich possui atualmente mais de 3,2 milhões de aparelhos protegidos com opções que vão da cobertura para roubo, furto, danos materiais e garantia estendida. “Hoje, quando uma pessoa perde o telefone celular, o prejuízo não está mais só relacionado ao aparelho. Com o avanço da tecnologia, o celular tem, por meio dos diversos aplicativos, muitas funcionalidades que são, inclusive, ferramentas de trabalho, além de dispor do controle de sua vida financeira na palma da mão. Justamente por isso, pensar em outros tipos de proteção é fundamental”, argumenta o superintendente da Zurich.A companhia também dispõe em seu portfólio o seguro para roubo e furto de mochilas e equipamentos eletrônicos, mais popularmente conhecido como Bolsa Protegida.

Riscos cibernéticos pessoa física

Conforme Daniela Reia, head of Placement da Gallagher Brasil, no âmbito dos riscos cibernéticos para pessoas físicas, ao longo de 2022, houve lançamentos de novos produtos e serviços relacionados à segurança cibernética. “Atualmente existem produtos que podem ser contratados individualmente ou em plano de assistência familiar. Geralmente, estes produtos focam em oferecer soluções de gerenciamento de risco (serviços de melhoria das defesas dos sistemas utilizados pelos segurados através da identificação de vulnerabilidades, estratégias de armazenamento seguro e monitoramentos de invasões), assistências 24 horas (orientações importantes para ações imediatas mediante incidente cibernético) e cobertura para responsabilidade civil relacionada ao vazamento de dados de terceiros, perdas de informações digitais, honorários advocatícios e despesas judiciais”, explica.

Para o VP da Alper, as iniciativas voltadas a proteger o segurado pessoa física de riscos cibernéticos ainda são tímidas, seja por parte do mercado ou da demanda. “Existem muitas empresas médias e grandes que não têm a proteção do seguro. Ainda não temos cultura do seguro e poucas pessoas conseguem assimilar que elas correm o risco de um ataque cibernético. A própria empresa, que é muito mais vulnerável, ainda cogita se vai fazer ou não investimento. A pessoa física ainda não consegue materializar de forma tão clara a necessidade de estar comprando esse tipo de solução”.Nesse contexto, as corretoras têm contribuído com as seguradoras para desenhar produtos. Um exemplo, segundo Marco Menezes, diretor de Negócios da Wiz Corporate, é o seguro prestamista, que antes era vendido apenas para os acionistas.

“Sabendo que na maioria das empresas Corporate não são os acionistas que estão à frente do negócio, nós percebemos a necessidade de adaptar esse seguro. Nós contribuímos com essa adaptação na oferta para pessoa jurídica e, agora, conseguimos estender o seguro aos diretores das empresas”.

A Gallagher tem contribuído junto às seguradoras no desenho de novas soluções de várias formas. “A Gallagher Re (resseguros) possui uma ampla experiência em apoiar as seguradoras nas negociações de seus contratos de resseguro para portfólios de Riscos Cibernéticos, buscando ampliar as capacidades e, em consequência disso, os limites oferecidos pelas seguradoras para um único risco”, conta Daniela.

Segundo ela, na consultoria de riscos e seguros diretos, também apoia na construção de cláusulas cada vez mais claras, promovendo a proteção de forma mais objetiva e buscando regulação de sinistros mais céleres. “Fora do Brasil, a Gallagher também possui MGA’s (Managing General Agents ou Agências de Subscrição) com soluções específicas para Riscos Cibernéticos”.

No Brasil, este ano a Gallagher irá lançar uma série de serviços de gerenciamento de riscos que compreendem: testes de maturidade, testes de vulnerabilidades, testes de penetração, auditorias LGPD, análise quantitativa de riscos, entre outros.

Visão para o futuro

De certa forma, os novos riscos representam um desafio para a indústria de seguros. Tudo ao nosso redor tem sofrido constantes transformações. As indústrias, os veículos, a maneira como as pessoas moram, os formatos de trabalho, a forma de viajar, como consome entretenimento como TV e mídia. Tudo tem se transformado. E o seguro, tem acompanhado essas transformações?“O hábito era comprar um imóvel e fazer ou não um seguro. Hoje, os imóveis tendem a ser de uso compartilhado ou passam por plataformas de uso compartilhado. Tudo isso tem um impacto no seguro. O nosso esforço aqui é estar de olho e ter pessoas competentes olhando para como o produto seguros vai absorver todas essas mudanças”, reflete Eduardo Pitombeira, head de Canais Digitais da FF Seguros.Na FF, produtos que atendam às necessidades do consumidor são o topo da linha de prioridades.

“Estamos em contato, através da Fairfax Holding, com universidades, centros de pesquisas, inclusive no Brasil, e focados em compreender como o seguro pode atuar. Como os seguros estão em tudo, o nosso papel é muito grande”.

Para Kajan, uma tendência do mercado é não trabalhar tanto padronizados e construir clausulados mais específicos às necessidades dos grandes grupos empresariais. “Uma necessidade é o Lucro Cessante sem a necessidade de associar como cobertura de danos materiais, porque hoje Despesa Fixa e Lucro Cessante é uma cobertura adicional dentro da carteira de Property. A própria pandemia ensinou que a pessoa, embora não tenha tido incêndio, perdeu lucro líquido e despesa física”, diz Kajan.

Segundo ele, hoje não existe no mercado brasileiro uma cobertura clean só de Lucro Cessantes. Esse é um exemplo do que o mercado brasileiro pode trabalhar e desenvolver”.
Na visão de Menezes, o mercado tem se atualizado e acompanhado as novas necessidades dos clientes. “Hoje temos um bom relacionamento com as seguradoras, estando alinhados com as expectativas do negócio. Sempre que surge uma nova necessidade, trabalhamos em parceria para o desenvolvimento de um novo produto ou até mesmo para a adaptação do produto existente, de modo que possamos atender a demanda do cliente, principalmente, àquelas relacionadas aos bancos”, diz o diretor da Wiz.

“Nossa mentalidade é continuar investindo em soluções que simplificam processos e melhoram cada vez mais a qualidade dos serviços e produtos oferecidos pela Zurich. Fazemos isso para oferecer uma ampla gama de proteção e permitir que nossos clientes possam ter, além da proteção, as melhores experiências”, comenta o superintendente da Zurich.

Para Daniela, hoje, principalmente no Brasil, a grande questão tem sido a correta quantificação da exposição a um evento catastrófico e, consequentemente, a obtenção de propostas de seguro que possam cobrir a totalidade destes eventos. “O mercado segurador brasileiro hoje atua com 10 seguradoras que oferecem seguro para riscos cibernéticos, entretanto, o apetite a risco e foco de atuação destas seguradoras são divergentes, se dividindo entre: soluções para Pessoas Físicas, Soluções para Pequenas e Médias Empresas e Soluções para Grandes Empresas”.

Conteúdo da edição de janeiro/fevereiro (250) da Revista Cobertura

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