Sinistro sustentável: do lixo para novos produtos

No ecossistema do seguro Automóvel, a integração dos prestadores de serviços às ações de ASG é fundamental. Companhias mostram impactos ambientais e sociais
Carol Rodrigues

A cadeia de prestadores de serviços no seguro de Automóvel é extensa e é importante que as seguradoras estabeleçam padrões de qualidade e critérios para seus fornecedores e parceiros.

Marina Nomura
Instituto da Qualidade Automotiva

Recentemente, a circular 666/2022 da Susep estabeleceu que as seguradoras devem incluir em suas análises de risco critérios ambientais, sociais e de governança, sob a sigla ASG (ESG, em inglês).

“Nesse sentido, a sustentabilidade se torna ainda mais importante no setor de seguros de Automóvel, com as seguradoras buscando adotar práticas relacionadas ao descarte responsável, promoção de práticas que reduzam emissões, homologação de oficinas e comércios de autopeças que cumpram exigências ESG”, comenta Marina Nomura, gerente Comercial e Marketing do Instituto da Qualidade Automotiva (IQA).

O papel da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) no tocante à agenda ESG, é recomendar as melhores práticas, seguida de procedimentos no ciclo do seguro Auto.
Conforme Marcelo Sebastião, presidente da Comissão de Seguro Auto da FenSeg, a agenda

ESG está integrada ao dia a dia das companhias em duas frentes: na venda de salvados e é pauta de diversos grupos de discussão técnica, cujo objetivo é apresentar propostas e procedimentos para evolução do tema.

Marcelo Sebastião
FenSeg

“Na venda de salvados, em especial a destinação de sucatas, após baixa prevista no CTB (Código de Trânsito Brasileiro).

A venda para empresas autorizadas pelo Detran que, dentre as inúmeras atribuições devem atender a regulamentação prevista na lei 12.977/2014, que prevê a venda de peças usadas com identificação de procedência (veículo baixado no Detran) e garantia prevista no CDC e a correta destinação de resíduos sólidos e oleaginosos para empresas certificadas pelo órgão ambiental”, cita.

São exemplos de impactos positivos causados pelas ações de sustentabilidade envolvendo o seguro auto, “a destinação adequada de veículos inservíveis (sucatas baixadas conforme previsto no CTB) às empresas autorizadas pelo Detran, portanto qualificadas para a desmontagem, passando pela reutilização de peças autorizadas por lei e a destinação dos resíduos para empresas autorizadas pelo órgão ambiental”, comenta Sebastião.

Prestadores certificados

O IQA, organização brasileira sem fins lucrativos, desempenha um papel importante no estabelecimento de padrões de qualidade para a adoção das práticas sustentáveis, que inclusive pode contribuir para a diferenciação e vantagem competitiva das seguradoras no mercado.

“Nosso propósito é promover a qualidade, a segurança e a sustentabilidade na indústria, comércio e serviços ligados ao setor. O IQA busca melhorar os padrões e práticas do setor automotivo por meio da certificação de produtos, de serviços e de sistemas, da oferta de treinamentos, publicações e estudos técnicos, ensaios laboratoriais e soluções para transformação digital e desenvolvimento sustentável”, explica Mariana.

Ela também ressalta a importância de as seguradoras serem transparentes, além de coerentes em relação aos seus valores e iniciativas sustentáveis, para que os prestadores de serviços estejam cientes e engajados em colaborar com a empresa nesse sentido.

“Dessa forma, é possível garantir que todos os envolvidos na cadeia de prestadores de serviços compartilhem dos mesmos valores e contribuam para a promoção da sustentabilidade”, informa a gerente do IQA.

Todas as recomendações vão ao encontro da importância que o tema sustentabilidade adquiriu na sociedade. O próprio IQA lançou recentemente uma nova área chamada IQA DS – Desenvolvimento Sustentável para Mobilidade.

Segundo a gerente, a área visa promover e apoiar a cadeia automotiva na jornada ASG, com soluções como diagnósticos, treinamentos, sensibilização, certificação, validação e verificação, projetos especiais e compartilhamento de boas práticas.

O presidente da Comissão de Auto da FenSeg destaca que, no caso das oficinas referenciadas, o setor tem apoiado iniciativas de certificação que, dentre inúmeros requisitos, como qualidade e gestão, contribuam na gestão de resíduos gerados na reparação veicular, na destinação adequada de metais, óleos, vidros, etc.

“No caso dos pátios de veículos, os procedimentos adequados para guarda de veículos sinistrados, evitando a contaminação ambiental, além de medidas voltadas para saúde (evitar a propagação da dengue, zica e chikungunya, ou seja, evitar acúmulo de água e pulverização controlada)”.

Selo Verde

João Merlin
Zurich

Na Zurich, a incorporação dos princípios ASG, sobretudo princípios de sustentabilidade, pode ser vista em toda a jornada do seguro Auto: desde a seleção do risco, emissão da apólice até o acionamento do sinistro.

“No que diz respeito ao reparo, lançamos há dois anos a nossa Certificação Selo Verde, que concedemos junto ao IQA às nossas oficinas referenciadas que adotam práticas de sustentabilidade em seus processos”, comenta João Merlin, superintendente de Automóvel da Seguradora Zurich.

Segundo ele, são mais de 50 critérios de avaliação sobre processos de gestão, equipamentos, operações, instalações, colaboradores, entre outros, do ponto de vista da sustentabilidade. “Alguns exemplos são processos de economia de água e energia, e descarte de resíduos.  Queremos liderar o impacto positivo no mundo.

Os desafios de sustentabilidade do presente e do futuro não podem ser enfrentados sozinhos, e por isso, buscamos incentivar e ajudar nossos parceiros a entrarem nessa jornada conosco”, diz Merlin.

O Selo Verde é um grande exemplo de como a companhia quer sensibilizar o ecossistema que envolve o seguro Auto.  “Oferecemos condições especiais para esses parceiros que nos apoiam e também incorporaram no seu dia a dia os princípios de sustentabilidade”, observa Merlin.

De acordo com o superintendente, até o momento 188 oficinas foram certificadas. A meta é certificar 50% da rede de oficinas até o final de 2023. “A magnitude em que foi estruturada, essa certificação técnica é inédita no Brasil. Isso significa que o setor está qualificando seu negócio com diferenciais sustentáveis, mas também podem ter ganhos de custo e eficiência”.

A Zurich estima que, apenas com a melhora do uso da água e luz, por exemplo, as oficinas certificadas podem ter redução de cerca de R$ 6 mil por ano com essas despesas, além de aumentar a produção/eficiência da oficina em torno de 20%.

“Alcançamos também grandes resultados em descarte sustentável. Foram mais de 70 toneladas de sucata, papelão e resíduos líquidos descartados corretamente. É importante lembrar que esses resultados do projeto Selo Verde, além de contribuírem para o planeta e para todo o setor de oficinas de reparo, impactam também o cliente final, que tem à sua disposição cada vez mais opções sustentáveis em seu rol de escolha.

E indo mais longe, acabam impactando todo o setor segurador, já que as oficinas têm outras seguradoras parceiras além da Zurich”.

O case da Renova

Carolina Zwarg
Porto

Em 2013, a Porto criou a Renova Autopeças, empresa pioneira no mercado de reciclagem de carros no Brasil, para ajudar a mitigar o elevado volume de sucata gerado por veículos sinistrados. Além da emissão de CO2 na atmosfera, esse é um dos maiores impactos que o setor automotivo causa na natureza.

“A Renova comercializa peças de qualidade por meio de seu website e direciona, de forma segura, os componentes ou resíduos que não possam mais ser aproveitados.

Dessa forma, a empresa busca garantir a destinação ambientalmente adequada dos veículos em final de vida útil”, conta Carolina Zwarg, diretora de Pessoas e Sustentabilidade da Porto.

Segundo ela, atualmente, a empresa atua como um hub de peças automotivas. “Em 2022, desmontou 2.472 veículos, além de prensar e/ou destinar outros 1.833, contribuindo assim para que 3.119 toneladas de resíduos automotivos pudessem ser recicladas. Foram ainda reaproveitadas e comercializadas mais de 58 mil peças – volume 48% superior ao registrado no ano anterior”, informa.

Na Porto, em 2022, 54% de regulações de sinistros foram feitas de forma digital, evitando a necessidade de deslocamentos e a redução das emissões de GEE (CH4, CO2, N20). “Também lançamos um projeto-piloto ‘Descarte Sustentável’ de resíduos eletrônicos decorrentes dos sinistros dos seguros de Ramos Elementares”.

Nos Centros Automotivos Porto (CAPS), em 2022, a Porto lançou o EAD de práticas sustentáveis em oficinas. “Conseguimos impactar, de forma on-line, 100% desse público, levando conhecimento sobre requisitos ambientais para os gestores e funcionários.

Também mantivemos nossos questionários de avaliação das práticas ambientais desse público e mais de 90% dos CAPS responderam aos formulários trimestrais de avaliação no ano. Em 2023 lançamos mais um curso EAD para a rede, focado em adequação à nova legislação que instituiu o MTR (Manifesto de Transporte de Resíduos) on-line”, comenta a diretora.

Para as oficinas parceiras que atendem aos sinistros do Grupo, os investimentos são focados em aumentar o índice de restauração de peças. “Ou seja, trabalhar com os gestores formas de consertar diversas peças que sofreram avarias, sem necessitar da compra de peças novas. Em 2022, 17,20% das peças de sinistro foram restauradas.

Nesse mesmo ano, começamos a traduzir esses números em redução que isso gerou na utilização de insumos como água e energia para a fabricação de peças novas que deixaram de ser compradas, bem como para a emissão de gases de efeito estufa que foi evitada”, expõe Carolina.

“Também temos o nosso aplicativo que oferece uma série de serviços on-line. Continuamos aprofundando os aspectos ambientais, sociais e de governança (ASG) da sustentabilidade em nossas operações – dando especial atenção à redução de recursos naturais, à reciclagem e reaproveitamento de peças automotivas, e a iniciativas de apoio à comunidade”, acrescenta Carolina.

Descarte ecológico

Rodrigo Herzog
Bradesco Seguros

Segundo Rodrigo Herzog, superintendente Executivo de Sinistros da Bradesco Seguros, o descarte ecológico da companhia é uma ação pioneira no mercado segurador.

O serviço é disponibilizado em todos os estados brasileiros, em cidades com mais de 200 mil habitantes e que possuam infraestrutura adequada e disponível para a prestação dos serviços.

“O projeto ‘Sinistro Sustentável’ faz parte dessa ação e tem como objetivo recolher bens danificados na casa dos segurados dos seguros Auto e Residencial e dar um destino socioambiental correto ao resíduo. O projeto visa evitar que os resíduos sejam destinados de forma indevida.

Se no modelo econômico linear, o descarte é o estágio final da vida útil dos produtos, nos projetos da seguradora, fases como o reparo, o reuso, a remanufatura e a reciclagem são o recomeço. Assim, o lixo pode ser convertido em novos produtos”, explica.

A Oficina Sustentável coletou, somente em janeiro de 2023, 3,6 toneladas de resíduos. No acumulado do ano 2022 a seguradora coletou 44,8 toneladas de resíduos. Os programas Sinistro e Assistência Sustentável, ambos do seguro residencial, coletaram, juntamente com a Oficina Sustentável, um total 148 toneladas de materiais em 2022.

“A destinação correta evitou que esses resíduos fossem descartados de maneira indevida, poluindo o solo, colaborando com a preservação dos recursos naturais”, ressalta Herzog.
O executivo lembra que, em 2022, o Descarte Ecológico da Bradesco Seguros registrou impacto positivo na operação de dez empresas e mais de 30 microempreendedores, além de inserção no terceiro setor.

“A seguradora estima que, a cada tonelada de resíduo tratado na reciclagem, são movimentados, em média, R$ 2.331,00 em toda a cadeia produtiva, da prestação de serviços à transformação de materiais. Estima-se que, até o momento, o projeto da Bradesco Seguros já movimentou cerca de R$ 330 mil à economia brasileira, que pode ser revertida em educação, novos empregos formais e benefícios ao meio ambiente”.

Herzog ainda cita que, no aspecto social, a companhia disponibilizou treinamentos e capacitação para os funcionários das oficinas, promovendo o engajamento e conscientização ambiental. “Inclusive, uma de nossas oficinas parceiras neste projeto venceu uma concorrência para se tornar a oficina responsável pela manutenção e reparação da frota de ambulâncias dos hospitais.

A vitória se deu por conta de seus processos adequados às leis ambientais, frutos do projeto Sinistro Sustentável. Além dos benefícios para o meio ambiente, o projeto pode trazer valor agregado para os negócios dos parceiros mais engajados”, conclui.

Conteúdo da edição de maio (253) da Revista Cobertura

Revista Cobertura desde 1991 levando informação aos profissionais do mercado de seguros.

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